Um universo dentro de mim
Quando a vida pede pausa, o corpo fala — mesmo que não saibamos escutar. Um relato sobre presença, autocuidado e reconexão.
Um universo dentro de mim
Fui mãe aos 21 anos. Estava no meio da graduação na Unicamp, período integral. Trabalhava à noite, das 18h à meia-noite e meia. Carregava, já naquela época, uma mochila cheia de frustrações.
Meus pais moravam a mil quilômetros de distância. Quando fui visitá-los nas férias de dezembro, passei por consultas e exames. Em uma delas, ouvi: "Ou você para de estudar, ou você para de trabalhar. Os dois, não dá mais."
Meu nível de estresse estava absurdamente alto. Eu precisava parar.
Naquela consulta, eu já estava grávida — e ainda nem desconfiava.
Quando descobri, não havia possibilidade de parar de trabalhar. Meu orgulho não me deixava desistir da faculdade. A partir daí, minha vida entrou num turbilhão e eu fui me desconectando — cada vez mais — de mim e do mundo à minha volta.
Fui mergulhando na minha concha. Congelei mais profundamente.
Sabe o Spock, de Jornada nas Estrelas? Acho que define bem o estado. Lógica pura. Nada de emoção. Sobrevivência no piloto automático.
O retorno
Aos poucos, fui voltando. Com terapia — das mais variadas. Com muita resistência. Com muito medo também.
Foi como se eu tivesse sido jogada de um universo paralelo, onde emoções e sensações praticamente não existiam, para um lugar onde elas estavam por todos os cantos. Espreitando. Assustadoras. Descontroladas.
O que sinto? Aliás, sinto algo?
Desde quando isso existe em mim?
Dá pra mudar? Dá pra encaixar?
Dá pra abrir uma brecha no peito e deixar tudo passar?
Tenho esperança de conseguir me responder boa parte dessas perguntas. E tenho me esforçado para que sim.
Este texto foi escrito em 2008. Hoje, quase 10 anos depois, sei que esse retorno nunca termina de verdade. A gente não "volta para si mesma" uma vez só — a gente volta todos os dias. Em camadas. Em espirais.
Mas e aí? O que fazer agora?
Busquei. Um pouco mais profundo a cada dia. Um olhar para dentro e fora de mim, me (re)conhecendo.
Busquei com a mesma força com que me mantive congelada. Com o anseio de abrir tudo do dia para a noite, cansada do tempo "perdido".
Sabendo que não era tão simples como apertar um botão. Que era trabalhoso. Mas desejando que não fosse.
Com muito medo do processo. Apegada e acomodada com o que achava que já sabia sobre mim e minha vida, fui me trabalhando internamente.
O caminho de volta para mim
Já se passaram quase 15 anos desde que decidi, com propósito, voltar para mim mesma. Me (re)descobrir.
Nesse meio tempo, me formei psicanalista. Participei de círculos de mulheres, facilitei e participei de grupos de estudos e autoconhecimento, de vivências e retiros.
Nessas experiências, descobri elementos importantes sobre mim mesma. Aprendi a gostar dos tornados que perpassam a vida — mudando tudo de lugar, me tirando dos trilhos, redesenhando os caminhos.
Mas a desconexão ainda estava lá. Profunda. Enraizada.
O buraco era mais embaixo
Um dos passos necessários para esse retorno foi descobrir quem eu sou — não apenas emocionalmente, mas corporalmente. Da ponta do pé ao fio do cabelo.
Perguntas aparentemente bobas:
Que tipo de dor você tem?
Você tem dores de cabeça frequentes? Cólicas?
Quando foi seu último ciclo?
Dorme bem?
Nenhuma delas eu sabia responder.
Tenho TPM? Devo ter. Dizem que toda mulher tem.
Como está sua libido? Oi, isso existe? Não é lenda do Freud?
Com a percepção de que não conseguia responder a essas perguntas sem um grande ponto de interrogação na testa, a ficha começou a cair:
Sim. O buraco era bem mais embaixo.
Não bastava elaborar, entender, ser paciente, persistente, disciplinada.
Precisava de algo mais básico:
→ Saber os limites do meu corpo
→ Saber onde eu começava e terminava
→ Perceber meus pés tocando o chão ao caminhar
→ Saber o que gostava e não gostava
→ Saber o que doía e o que causava prazer
→ Saber o que queria — e o que NÃO queria
O "não" também era importante.
O desafio maior
Seria impossível abrir qualquer espaço dentro de mim sem conhecer cada pontinho desse corpo que habito.
E, por incrível que pareça, esse tem sido um desafio maior que todos os outros.
Aqui, a resistência é grande.
Intelectual que sou, fui ler a respeito. Li bastante. Tentei técnicas. Observei. Senti.
Um dos movimentos que me ajudou nessa abertura de espaço foi uma meditação simples — para centramento e conexão com o próprio corpo, com a criatividade e o prazer na vida.
É assim:
1. Sente-se ou fique em pé, com as costas retas e relaxadas. Feche os olhos.
2. Coloque a mão direita abaixo do umbigo e a esquerda nas costas, na posição oposta — as palmas voltadas umapara a outra.
3. Inspire profundamente pelo nariz. Ao expirar, faça com que toda a sua energia flua para seu centro.
4. Una-se e entregue-se ao seu centro, cada vez mais profundamente, até que possa sentir o sangue vibrando nesse ponto.
5. Deixe que essa vibração a leve mais fundo. A procurar e revelar o seu centro.
Faça o exercício sempre que puder, onde quer que esteja.
Assim que for possível estar centrada consigo mesma — com ou sem o exercício —, você poderá gerar uma sensação de calor e energia no seu centro.
Esse processo pode levar semanas. Ou meses.
Não tenha pressa.
Um convite
Ainda estou aprendendo a soltar. A aceitar. A me centrar.
Mas confesso que estou apreciando muito a viagem.
Deixo aqui um convite explícito a todas que se percebem atordoadas, anestesiadas, desconectadas:
Dê um passo firme em direção a si mesma.
Vale a pena.
E há vários caminhos para isso.
Seja bem-vinda de volta a você.
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Alessandra Girotto é psicanalista, consteladora e facilitadora de Pathwork. Atende mulheres em processos de reconexão consigo mesmas — presencialmente em Campinas/SP ou online.
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