Preciso confessar uma coisa logo de cara: não sou especialista em organização. Não tenho métodos milagrosos para te ensinar. Aliás, esse é um dos meus próprios calços — uma área em que ainda estou aprendendo a destravar.
O que posso oferecer aqui é um convite para olharmos juntas para algo que geralmente não está nos livros de produtividade: o que acontece dentro de você quando você pensa em se organizar?
Antes de qualquer técnica: o que você sente?
V ou te pedir um exercício simples, mas importante.
Fecha os olhos por alguns segundos. Respira fundo.
Agora pensa na palavra "organização". Ou "disciplina". Ou "ordem".
O que vem primeiro?
Não força. Apenas observa.
Pode ser uma sensação no corpo. Uma imagem. Uma lembrança. Um pensamento que atravessa rápido.
Dá uns dez segundos. Deixa brotar.
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No meu caso? Vem rigidez. Vem prisão. Vem uma sensação de que vou perder minha liberdade, de que vou deixar de ser eu mesma se eu me organizar demais.
E sabe o que isso revela? Uma crença. Uma ilusão que carrego — e que me impede de criar a estrutura que eu preciso para viver melhor.
Porque a verdade é que ordem não é prisão. Ordem é o vaso que permite a água tomar forma. É a panela onde a comida é feita. É a estrutura onde a vida acontece.
Sem estrutura, não há criação. Há dispersão. Caos. Cansaço.
Muitas das nossas confusões emocionais, da nossa baixa estima, da nossa sensação de estar sempre correndo atrás — tudo isso pode ter raiz na falta de ordem interna.
De onde vem essa resistência?
Aqui entra uma pergunta fundamental: quais foram as referências que você teve sobre organização?
Olha para trás. Pensa nas pessoas que foram importantes na sua vida.
Como seus pais viviam a organização? Você via as pessoas organizadas como felizes ou como prisioneiras de suas próprias regras? Alguém próximo usava a disciplina como controle?
Vou te contar sobre a minha.
Minha mãe é virginiana, extremamente organizada. A casa sempre impecável. Tudo no lugar. E isso me trouxe muita estrutura quando criança — sou grata por isso.
Mas eu também criei uma crença: "Não existe vida além da arrumação".
Porque ela está arrumando de manhã, de tarde, de noite. Nunca para. E quando para, fica perdida. Precisa de algo para fazer, senão fica mal. Minha avó era igual. A gente sempre comentava: no dia que ela parar, morre.
Então nasceu em mim uma rebeldia contra a organização. Porque eu não queria ser assim. Não queria viver prisioneira da ordem.
Resultado? Adio. Postergo. Reluto. Disperso.
E quando faço, faço com esforço triplo — porque estou lutando contra mim mesma.
O trem que anda, mas enferrujado
Imagina um vagão de trem em um trilho limpo, bem lubrificado. Ele desliza. Flui.
Agora imagina o mesmo vagão em um trilho enferrujado, cheio de pedras. Ele até anda — mas com quanto esforço?
Essa é a diferença entre viver com ou sem bloqueios internos.
V ocê consegue ser produtiva. Consegue organizar algumas áreas da vida. Mas está usando o triplo da energia que poderia usar.
Porque está carregando pedras no caminho.
Se você não limpa o trilho, não remove as pedras, não cuida das rodas — você continua andando, mas cansada.
Frustrada. Sem energia para o que realmente importa.
Perguntas que podem te ajudar
Se a organização ainda é um nó para você, tenta responder:
Qual é a primeira sensação que vem quando penso em "disciplina"?
Quem, na minha vida, foi extremamente organizado? Como essa pessoa vivia isso?
Eu via essa pessoa como feliz ou como prisioneira?
Onde dentro de mim acredita que o caos é melhor que a ordem?
Por que uma parte minha luta contra a organização?
O que eu perco se eu me organizar? (Liberdade? Espontaneidade? Quem eu sou?)
Essas perguntas não têm respostas rápidas. Dá tempo. Respira. Deixa vir.
A resposta que vem de imediato geralmente é superficial. A real demora um pouco — e pode vir como uma imagem, uma sensação, uma memória que você nem lembrava que existia.
Não é sobre método. É sobre limpar o caminho.
Tem milhares de métodos de organização por aí. E a maioria funciona.
Mas nenhum funciona se você está lutando contra si mesma.
Antes de buscar um método, você precisa:
Identificar o que sente quando pensa em organização
Reconhecer suas referências sobre ordem (as boas e as ruins)
Questionar suas crenças sobre disciplina
Transformar a resistência em compreensão.
Só depois disso um método faz sentido — e flui.
Ordem não é controlar tudo. É ter espaço para viver.
Quando você organiza sua vida, você não está se aprisionando.
Você está criando espaço.
Espaço para respirar. Para criar. Para descansar. Para sentir.
Porque o caos drena. Muito.
Ele consome uma energia mental que poderia estar em relacionamentos, em projetos, em momentos de prazer.
Ordem interna é liberdade. E ela se reflete na ordem externa — mas não do jeito que você imagina.
Não é sobre ter a casa perfeita. É sobre não viver sufocada pelo próprio descontrole.
O que fazer com isso?
Se você se reconheceu aqui, sugiro que:
Observe suas resistências sem julgamento
Escreva sobre suas referências de organização na infância
Pergunte-se: o que eu realmente perco se eu me organizar?
Seja gentil com você mesma nesse processo
Transformar crenças profundas leva tempo. Mas cada pequeno passo de consciência já alivia o peso.
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Se você percebe que precisa de um espaço para olhar essas questões com mais profundidade, a psicanálise pode ser esse caminho.
Atendo mulheres que carregam muito, sentem muito — e precisam de um lugar onde possam parar de fingir que está tudo bem.
Atendimento presencial em Campinas/SP ou online.
Primeira conversa gratuita.
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Alessandra Girotto
Psicanalista, Consteladora e Facilitadora de Pathwork
